Direitos Humanos, para quem? - Jornal Fato
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Direitos Humanos, para quem?

Revela-se crescente na sociedade uma distorção sobre as questões envoltas aos direitos humanos


Revela-se crescente na sociedade uma distorção sobre as questões envoltas aos direitos humanos. Isso porque me parece prevalecer, no meio da população brasileira, um equivocado entendimento de que direitos humanos devem ser entregues apenas para "humanos direitos". Contudo, esquece-se ou se desconhece que a lei não faz acepção de pessoas, ao contrário, a Constituição Federal teve a cautela de trazer de modo expresso no artigo 5º que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.

Além disso, as normas sobre direitos humanos não são uma exclusividade brasileira. Embora a preocupação com o ser humano em sua essência seja uma constância, as diretrizes dos direitos humanos surgiram no âmbito internacional e ganharam força após a segunda guerra mundial cujas sequelas revelaram o quanto cruel e destruidor o homem poderia ser. A união entre as nações se mostrou necessária com fim de que fossem criadas normas que limitassem os comportamentos animalescos, destrutivos e para que as comunidades internacionais acordassem para a urgência da proteção do homem, em sua espécie. 

Sendo um olhar da legislação mundial, trazido para a Constituição Brasileira, os direitos humanos não se limitam a grupos de indivíduos, mas alcançam a espécie considerada humana em sua diversidade de gêneros, de culturas, de raças, etc. 

De toda sorte, mesmo que o contexto dos direitos humanos fosse o que tem se revelado na sociedade cansada e vingativa, ainda assim nos caberia responder algumas indagações, quais sejam: se os direitos humanos devem alcançar apenas os humanos direitos, quem são os humanos direitos? Serão direitos apenas os não homicidas? Serão tão somente os nunca roubaram ou abrangem só os que nunca praticaram qualquer delito? Pergunto-me, então, quem nunca praticou delito? 

Segundo o censo feito em 2010 pelo IBGE, a sociedade brasileira é composta de 86,8% da sua população por cristãos. A bíblia, livro que, como nenhum outro, nos revela quem foi Cristo, cujos seguidores recebem o nome de cristãos, afirma que Jesus Cristo, quando passou por aqui, foi cuspido, humilhado, torturado e morto na cruz.  Apesar disso, era seguido por multidões de "cristãos", os mesmos que lhe condenaram à morte e clamaram pela libertação de Barrabás, que era assassino. Quem era homem direito nesse contexto? Quem merecia ser acolhido pelos direitos humanos? Um dos dois merecia a morte?

Tudo bem! Você pode me responder que naquele momento histórico as coisas e julgamentos eram diferentes. Será? De fato, na época não havia debates sobre os direitos humanos, mas Jesus Cristo, por meio de suas palavras e exemplos, nada mais fez que defender o direito à vida e à dignidade daqueles que transgrediam normas, mas que eram gente. Pouco importava se os defendidos eram ladrões, assassinos, prostitutos, exploradores, ..., para Cristo, o qual é seguido, ainda hoje, por 86,8% da população brasileira, qualquer ser humano era merecedor do perdão e de ter restaurada a dignidade.

Por ironia, no Brasil, segundo país mais cristão do mundo, pelos comentários e comportamentos expressados, especialmente nas redes sociais, só merece respeito o ser humano de bem; "quem defende bandido ou merece morrer ou tem a morte justificada." Porém, quem é bom? Jesus foi ruim por defender os que estavam as margens da sociedade? A maior diferença havida entre a sociedade atual e a da época de Cristo é o momento histórico. Inclusive, para os cristãos é incontroverso que o mesmo Cristo de ontem ainda hoje, sem qualquer mudança, é o que permanece na sociedade por meio da fé.

O lamentável é que, ainda hoje, se tem o sentimento de que certos tipos de pessoas devem morrer; de que alguns indivíduos são menos humanos que outros. A questão é: o que é ser cristão nos dias atuais?

É possível colocar em patamar de superioridade uns em detrimento de outros? Merece mais respeito quem apenas ficou com o troco da padaria, quem somente ultrapassou o sinal vermelho, pondo em risco a vida de pedestres e motoristas; quem bebeu e assumiu o risco - ou causou - de um acidente ou quem pagou propina para tirar proveito de alguma situação? É direito quem só matou através da palavra, da indiferença e da atitude preconceituosa? Merece privilégio quem não nasceu nos morros, quem não vive às margens da sociedade e, por isso, sente um pouco menos os reflexos da ausência do Estado que retira, por completo, a dignidade humana? Quem pode atirar a primeira pedra antes de sentir a real dor e carência do outro? Será a sociedade brasileira a mesma retrograda da época de Cristo que, mesmo o seguindo e sendo curada por ele, o condenou porque ele incomodou os que tinham o poder?

Não se pretende aqui, defender a impunidade, nem do pobre marginalizado e tampouco do corrupto milionário cujos desvios financeiros influenciam no crescimento de comportamentos animalescos na sociedade. Ora, um ser humano, desprovido de dignidade, vira bicho e se acostuma com a imundice e suas sequelas.

Diante disso, me pergunto, Jesus, a quem muito de nós seguimos, foi perfeito? Jesus cometeu crime? Ele merecia ser protegido pela aplicação dos direitos humanos ou Sua a morte foi justa ou justificada? Depende. Para os que estavam à frente da Lei, Jesus era um pervertido, pois reescrevia as normas da época e, com suas palavras e exemplos, mostrava que todo ser humano, legalista ou desregrado, merecia ter a dignidade e a vida restaurados. Para a massa de manobra que o seguia, ele era um profeta, nos dias de hoje, um herói, mas, quando o peso recai nas costas do povo, continua mais fácil se esquivar, lavar as mãos e condenar àqueles que nos tiram da zona de conforto, seja porque têm comportamentos desajustados ou seja porque esfregam em nossa cara que temos que mudar a política do país para restaurar a dignidade do povo e, com isso, reconstruir os comportamentos daqueles cuja vida ou contexto transformou em bicho, mas, ainda assim, permanecem humanos.

 

Katiuscia Oliveira de Souza Marins

Graduada em Letras, Pós Graduada - Português e Literatura

Advogada, Pós Graduada em Processo Civil


Dayane Hemerly Repórter Jornal Fato

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