Credibilidade, ética e respeito - Jornal Fato
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Credibilidade, ética e respeito


Sou jornalista desde 1985. Mesmo nos piores momentos, nunca pensei em mudar de profissão. Mesmo quando todo mundo acha que sabe escrever e faz matérias completamente opinativas, mesmo quando voltei para o interior depois de formada, onde os pouquíssimos jornais já tinham seus profissionais, ou quando aboliram a exigência do diploma para o exercício da profissão, ou os salários para jornalista não eram lá essas coisas, me mantive firme e forte. Já fui muito valorizada, mas também sei o que é ser relegada a segundo plano pela postura, considerada muito cheia de escrúpulos pelos editores que se dobravam aos interesses do departamento comercial. 

E quando falo isso me lembro especialmente de uma matéria, feita a partir de denúncia do Sindicomerciários, que acusava um lojista de revistar as bolsas das trabalhadoras na entrada e na saída do trabalho. Mais do que isso, as obrigava a mostrar a calcinha e o sutiã, para garantir que não estava sendo roubado, já que vendia esses produtos. Apuração feita, ouvidas todas as partes, as entrevistas confirmaram a denúncia. A exceção, claro, foi o lojista, que negou veementemente o fato, mesmo admitindo, em alguns momentos, que tudo era feito com muito respeito. Sua negativa foi devidamente registrada e a matéria seria publicada no sábado. No final da tarde de sexta fui chamada por um amigo comum a mim e ao dono do jornal, conhecido por teoricamente ser muito ético, que me pediu para esquecer aquela matéria, que o lojista era diácono da igreja católica e que aquilo seria devastador na vida pessoal e religiosa dele.

Argumentei que era verdade e que talvez aquilo o ajudasse a mudar de postura. Mas não adiantou. Ele argumentou que não podíamos destruir a vida de pessoas que trabalhavam tanto e geravam emprego. E as mulheres que são humilhadas todos os dias, perguntei? O meu amigo muito ético me disse para esquecer. Entendi, com um certo atraso, que aquilo não era um pedido. Era uma ordem disfarçada de conselho. Acatei, a matéria caiu e saí do jornal. Demorei muito para receber o que me deviam, fiquei desencantada por ver a hipocrisia interferir no meu trabalho. Ainda era ingênua, mas não tanto para deduzir que a não publicação deve ter saído muito cara para o lojista diácono, que não podia ser envergonhado na igreja e na sociedade. A loja ainda existe. Não sei se a prática continua.

Esse jornal não é mais impresso. Perdeu credibilidade ao longo do caminho e deixou de existir, embora tenha sido referência por algum tempo, quando o "modus operandi" não era tão escancaradamente conhecido. Então, como vemos, credibilidade não se compra na feira. Ela é conquistada com muito trabalho e dedicação e alcançá-la deveria ser a meta de todo jornalista e dono de jornal. Sei que isso, em alguns momentos, é pura utopia, que sem patrocínio ninguém sobrevive, mas sempre defendi que o departamento comercial seja independente do jornalístico, o que raramente acontece. E quando acontece, é a duras penas, por coragem e ousadia do dono e editor.

Claro que o comercial interfere, e muito no jornalismo. Quando se desagradam de uma matéria, ninguém liga para o editor-chefe. Os contrariados procuram o diretor do departamento comercial. Simples assim. Quando o dono do jornal é ao mesmo tempo editor e mercenário, ferrou. Prevalece sempre o interesse de quem paga mais. Nunca o do leitor.  E aí bate uma saudade danada do meu primeiro e amado editor em A Gazeta. Paulo Maia comprava nossas brigas e, contrariando a todos, publicava nossas matérias, apesar das advertências. E ainda xingava todos os palavrões que lavavam a minha alma de jornalista que entendia que quem manda na redação é o editor e mais ninguém. Não é a regra, mas deveria ser. 

O educador Paulo Freire dizia que "o caminho se faz caminhando". Parabenizo o JORNAL FATO pelo respeito que conquistou ao longo da vida com um trabalho sério, ético e responsável. Ninguém chega aos 15 anos sem esforços e sacrifícios. Sem perder o sono por contas a pagar ou pela pressão para não noticiar determinados fatos. Meu desejo é que Wagner e Lília não se dobrem a nenhum interesse que não seja o do leitor. Tenho muito orgulho de fazer parte dos articulistas do jornal e dessa querida família. Parabéns Wagner, Lília e a toda a equipe do FATO. Vida longa. Que comemoremos muitos anos. Mas que a credibilidade e o respeito sejam eternos companheiros.


Anete Lacerda Jornalista

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