Conto de Natal - Jornal Fato
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Conto de Natal


O cachorro latia e assustava a vizinhança. Ele se incomodava. Nada falava, encontrava-se no apartamento do filho, nora e do neto. O pequeno animal, chamado Teco, apresentava uma bela aparência apesar da irritação que provocava com seus latidos inoportunos. Bem peludo, uma cor avermelhada, olhos negros, tudo observava e atento ficava aos movimentos e ruídos da casa. Isto, a qualquer hora do dia ou da noite. Pelo tempo que ali residia, vários anos, bem antes do menino, se comportava como vigilante, e dono, do apartamento. Nada era feito sem seu consentimento. Em qualquer parte da casa, da cozinha à sala de jantar. Mesmo nos quartos ou banheiros.

Além do domínio do espaço físico do apartamento, guardava uma relação de carinho, cumplicidade e fidelidade com os residentes, dos adultos à criança. Zelava pelo menino de poucos meses de idade (nove meses, para ser preciso), silenciava quando ele dormia, e quando acordado, o rondava sem agredi-lo, mesmo quando desajeitadamente o menino tocava em seus pelos. Apenas um leve latido de alerta como reação. A criança demonstrava interesse e parecia gostar da presença do pequeno animal.

Ele, embora admirasse, e apreciasse, a relação de carinho do cachorro para com seus donos, seguia incomodado com a presença do animal. Mais ainda no período noturno, quando necessitava levantar-se para as urgências vesicais. Qualquer movimento, mesmo um arrastar de pés, sandálias ou fechamento de uma porta. Acender a luz, nem pensar, era motivo de um latido estrondoso em plena madrugada. Conhecendo a história do cachorro, no dia seguinte, pela manhã, tentou um acordo, um armistício, levou-o para passear, uma volta pelas ruas do Bairro de Moema e ao Parque de Ibirapuera; caminhou pelas alamedas e ruas com nomes indígenas... Tudo levava a crer que a estratégia estava em bom caminho. Mas, a noite chegava, e na madrugada, o cachorro voltava a se manifestar. Cansado da tentativa de conciliação, pensou em dizer:  Ou eu ou ele. Pensou melhor e umedeceu. Poderia ser constrangedor. Afinal o intruso era ele. Um morador ocasional. Um visitante.

Na noite seguinte, confidenciou-se à esposa. Acho que vou transgredir as regras de convivência. Quando for ao banheiro, deixarei o vaso sanitário destampado. Quem sabe o cachorro sofre um acidente. Ou mesmo desaparece. A esposa ouviu e disse: Melhor não fazer isso, você vai acabar pagando a conta do veterinário, além das outras queixas. Pensou melhor e concordou. Continuou baixando a tampa do vaso sanitário.

Pela manhã, cortou relações com o animal. Nem mesmo um olhar. Caminhou desacompanhado. À tarde, ao retornar do Parque Ibirapuera, sentou-se em um sofá da sala, próximo a árvore de Natal. Devido o esforço físico daquele dia, sentia uma dor na perna esquerda e uma leve câimbra se anunciava no pé. De repente, o pequeno animal aparece, observa o ambiente, circula próximo aos seus pés e deita-se ao seu lado, junto à sua coxa esquerda. Permanece um longo tempo quieto, olhos fechados, respiração lenta, seus pelos aqueciam a perna que se apresentava dolorida, a câimbra desaparecia lentamente. Ele, em retribuição, fez-lhe um leve afago...

 

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Sergio Damião Sant'Anna Moraes


Sergio Damião Médico e cronista

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