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A caminho

Não é de se estranhar que eu mesmo seja anacrônico. Ou, vá lá, cringe...


- Foto: Reprodução/Web

Já me conformei com o fato de eu não ser o colunista que trata dos grandes temas da atualidade. O que não significa que a alienação chegue a transbordar neste desimportante escriba (deplorar-se é preciso; adjetivar-se, nem tanto).

Apenas não vejo razão para dissertar, por exemplo, a respeito daquele telepagobbbeiro que, apesar de ostracismado até pouco tempo atrás, sente-se o "último biscoito do pacote", expressão tão démodé quanto o Leite de Rosas que, se bobear, mamãe passa em mim ainda hoje.

A propósito, não é de se estranhar que eu mesmo seja anacrônico. Ou, vá lá, cringe. Afinal, minhas gírias, todas em desuso, são de malandros ferrados. Além disso, sou uma espécie de nostálgico paradoxal: tenho saudade do pretérito-do-futuro-mais-que-perfeito debaixo do caos-remanso de tuas mãos.

Interrompo a costura destas linhas para noticiar que revoadas de borboletas amarelas cruzam, incessantemente, a vereda imaginária que se pavimentou diante de nossas janelas. É a primeira vez que as vejo em profusão, inumeráveis, feito estrelas. Aliás, convém-me dizer que as borboletas, em geral, estão para as manhãs abertas assim como as estrelas, embora inertes, estão para as noites enluaradas.

Desde o início, eu desejava falar do arco-íris que se abriu depois que você voltou, na contramão de uma estrofe de "Travessia", e fez-se - de novo - tarde em meu viver. Era, em verdade, um quarto de arco-íris, e sua lacuna deve representar algo superior a setenta e cinco por cento de conclusão de percurso. A caminho, creio, da felicidade.

 

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Uma colega de serviço me mostrou, um dia, um vídeo de seu filho, gravado com o celular dela, em que o moleque, de riso aberto e pés descalços, corria debaixo da chuva. A câmera lenta acentuava a cena: um verso que espero também ter sensibilidade para escrevê-lo.

Minutos antes, outra colega me garantiu, entre ironia e agouro, que uma tempestade iria cair sobre mim, no meu regresso ao nosso cazuá, lá pelas cinco. Debochado, eu a respondi com uma pergunta: faço o sinal da cruz agora ou antes do fim do expediente?

 

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No alfaiate mais antigo,

retirei meu linho branco,

para, hoje, usar contigo,

ao som daquele tango,

de passado não tão ido,

porém dolorido tanto,

mas, portanto, preterido

neste samba-acalanto.

 

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À chuva fina que nos cai,

cantarei minha gratidão

pelo sustento que nos dá,

fortificando nosso chão.


Felipe Bezerra Jornalista

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