"Flor-de-maio" de cada dia - Jornal Fato
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"Flor-de-maio" de cada dia

Homicídios dolosos e culposos; violência contra o menor e a mulher; roubos; vandalismo...


Homicídios dolosos e culposos; violência contra o menor e a mulher; roubos; vandalismo; brigas; prisões, conflitos internacionais; afogamento; golpes; acidentes; divergência política; medo e esperança em relação ao futuro presidente; eleições a caminho; ... Essa é a síntese das notícias que se extrai do jornalismo nacional e local da última semana.

Contudo, em meio ao sangue que jorra da dura realidade apresentada, verifica-se também boas dicas para o lazer, mas este apenas para o fim de semana, pois, de segunda à sexta-feira, a vida parece não merecer nada além das fadigas e dos traumas cotidianos.

Em meio a tantas notícias trágicas, que despertam uma ansiedade crescente, saí a procura de um alento para a alma quando me deparei com a crônica "Flor-de-maio" de Rubem Braga.

Na crônica, descobri que a vida tem seu caos, inclusive, que o relato deste parece dá mais ibope e, por isso, é o centro dos noticiários. Contudo, a vida também tem suas mágicas e seus encantos, mas estes, por decorrerem de coisas tão simples, por vezes, não merecem ser noticiados ou, quando o são, ocupam pequenas linhas quase que imperceptível do jornal.

Contraditoriamente, o prazer e a paz revelam-se nas coisas mais simples que a vida, através da natureza humana e ambiental, nos proporciona. Todavia, estamos, em geral, tão focados em algo que não sabemos; estamos tão centrados nas obrigações cotidianas que muitos de nós já perderam o dom de se encantar. Já não têm a dádiva de ser feliz com as belezas que diariamente saltam aos nossos olhos, pois a cegueira sobressai. Assim, o que, de fato, importa se perde e a fadiga se eleva.

Rubem Braga, ao ler uma pequena nota de três linhas, sentiu o ímpeto de ir ao Jardim Botânico para vislumbrar a "flor-de-maio", pois isso seria uma atitude boa e feliz. Mas deixou para depois de modo que a pressa e a inquietação dos minutos que voam lhe impediram de ter a atitude que lhe alegraria o coração.

Assim como o cronista, quando nos aparece a chance de nos encantarmos com a simplicidade e a beleza da "flor-de-maio", por vezes, deixamos para depois. Como o depois e o amanhã nunca chegam sem se tornar o agora e o hoje, não raro, deixamos a vida passar e, quando percebemos, os filhos cresceram demais; a saúde nos limita; pessoas amadas foram-se embora; e a estafa, acentuada pelas dores em foco, tornaram a vida mais acinzentada.

Todavia, sempre haverá uma flor a desabrochar e sempre há de existir uma nova chance de se permitir sentir a paz decorrente das pequenas e simples atitudes. No agora e no hoje sempre haverá a oportunidade de abraçar e de transmitir amor àqueles que, ao nosso lado, nos são caros. Contudo, no depois e no amanhã, já não podemos ter certeza.

Deste modo, mesmo que maio já esteja distante e que a flor-de-maio com seus encantos já não esteja, em outubro, ao nosso alcance, que nos permitamos encantar com a luz do sol, que mesmo quente, torna mais brilhante a paisagem; que saibamos nos envolver pelo cheiro do molhado que a chuva deixa ao derredor e que não percamos a sutilizada que há no abraço e no olhar amável àqueles que nos são valiosos.

Através de condutas simples, mesmo que os noticiários nos fadiguem com informações sangrentas, que não nos falte o brilho no olhar para priorizar o que, em meios as lutas inevitáveis, nos faz bem à alma. E, se olharmos bem, há muito de encantador ao nosso redor, mas até a paz depende do foco do olhar.


Katiuscia Marins Colunista/Jornal Fato Advogada e professora

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